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Josué de Castro: o professor que ensinou que fome é projeto político
Por Rebeca Assis
Os quadros da fome são indigestos. Desviamos nosso olhar quando vemos um faminto, mudamos de assunto quando este é o tema, falamos da abundância, das promessas futuras frentes às conquistas e avanços no campo tecnológico e científico, da esperança de dias melhores, fugimos do tema por ser incômodo e desagradável, assim como fugimos dos famintos por temê-los.
Consciente de que o tema da fome não era agradável e nem belo, ao escrever em 1946 o prefácio da primeira edição de seu livro Geografia da Fome, Josué de Castro alerta os leitores de que a fome era um assunto delicado e perigoso por suas implicações políticas e sociais, de modo que havia até então permanecido como um dos tabus de nossa civilização.
Nascido em 5 de setembro de 1908 em Recife, Josué de Castro foi um dos maiores intelectuais que lutaram contra a fome no Brasil. Foi médico, geógrafo, nutrólogo, professor, cientista social, escritor, parlamentar e presidente da FAO (órgão das Nações Unidas para Alimentação e agricultura) e há mais de meio século já sugeria que só se pode combater a fome com distribuição de renda e reforma agrária.
Josué de Castro cultivava, desde a década de 1950, uma visão sistêmica do desenvolvimento. Segundo ele, a questão da fome não seria resolvida somente com o aumento de produtividade agrícola e distribuição de alimentos, era necessário pensar também nos que trabalhavam na terra nos países pobres. Defensor da reforma agrária, acreditava que a fome e a miséria só seriam superadas através da descentralização da propriedade de terras e riquezas.
Se preocupou em entender as origens da fome, apoiando-se na geografia, mas também nos estudos de sociologia e política, construiu uma visão com totalidade do problema. Em sua publicação, Geografia da Fome, demonstrou que a fome não tinha origens climáticas ou étnicas. Josué de Castro, Mário de Andrade, Câmara Cascudo e outros tentavam pensar para além do mito do Jeca Tatu, de Monteiro Lobato entendendo a fome como um problema social e econômico, portanto passível de ser resolvido pela atuação do Estado.
Castro colocou a fome como produto do subdesenvolvimento que o Brasil foi submetido, como resultado de uma economia e agricultura baseada no latifúndio na monocultura e na exportação. Sua pesquisa rigorosa, combinada com a argumentação, tornaram seu trabalho um referencial no combate à fome até hoje.
A ditadura militar de 1964 interrompeu sua carreira de dedicação ao combate à fome. Foi um dos primeiros a ser exilado e ter seus direitos políticos caçados por 10 anos.
Sua luta, afinal, era revolucionária. Querer diminuir a desigualdade para acabar com fome, entender que esse era um problema estrutural do estado brasileiro e não uma condição natural, lutar para que as coisas se modificassem, para que trabalhadores tivessem um salário digno e os camponeses terra para plantar. Tudo visto como subversivo pelos militares.
Josué de Castro fez parte de uma geração de pensadores que estavam preocupados em discutir o trabalho e o trabalhador brasileiro. Castro deixou uma obra cujo vulto e importância permanece até hoje e inspira a luta contra a fome e a miséria.