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"Para haver participação do povo, as lideranças têm que assumir seu papel", entrevista com Edson Alberton
Por Walter Bolitto
Desde 1953, quando Guarulhos passou a ter eleições municipais que definiriam o chefe do poder executivo (até aquele momento, o prefeito era definido pelo Governo do Estado), as famílias que representam a elite local passaram a se apropriar de todos os espaços democráticos, e mesmo com o controle dos principais setores produtivos da cidade e domínio econômico sobre a classe trabalhadora, passaram a usar o poder público em prol de seus interesses. Ao olharmos o histórico dos prefeitos de Guarulhos, encontramos industrialistas, representantes do ramo imobiliário, grandes donos de terras e até o dono da única empresa de ônibus da cidade da época.
A mobilização da classe trabalhadora na cidade levou ao surgimento de instrumentos de luta com o potencial de enfrentar os privilégios políticos e sociais da classe dominante, como jornais operários e movimentos de esquerda. No final dos anos 90, houve um entendimento por parte do povo que as ações da elite estavam ultrapassando o suportável das práticas que já eram conhecidas na cidade, e a luta popular levou à cassação e prisão de políticos na cidade, essa conjuntura levou à vitória do Partido dos Trabalhadores na eleição seguinte com a promessa de uma política voltada aos 99%.
Edson Alberton, conhecido na cidade como Albertão, participou da construção dos movimentos de base na cidade desde a década de 70, foi vereador por 3 mandatos e teve uma trajetória em grupos e partidos de esquerda. Hoje, milita no Partido dos Trabalhadores.
Nesses quase 50 anos de luta, Albertão vivenciou a hegemonia da oligarquia guarulhense na política até a vitória do PT nas eleições de 2000, participou da construção e também foi oposição de esquerda nos 16 anos de um governo com maior participação popular, e hoje observa o retorno dos mesmos sobrenomes da elite no poder, que representa a volta de uma política de conciliação de ricos incapazes de resolver os problemas sociais e sanitários que estamos vivendo.
Walter: Você poderia nos contar um pouco sobre como se aproximou da militância socialista em Guarulhos?
Albertão: Nasci em Guarulhos. Toda minha vida morei em Guarulhos. Minha militância só poderia ser aqui e por conta dos movimentos que aconteceram na cidade.
Na década de 70, ainda muito jovem, participava eventualmente das lutas estudantis contra a ditadura militar. Era interessante o modelo, algumas lideranças combinavam ir andando nas ruas do centro de São Paulo, junto com alguns, digamos, convidados, e de repente, fortuitamente (e isso era o combinado) alguém pulava na rua e começava a gritar “abaixo a ditadura”, a base, eu incluído, engrossava o caldo.
Mas era algo de quando em quando. Minha militância real começou no movimento operário, nas greves de 1978. Entre muitas fábricas, trabalhei na Persico Pizzamiglio e por lá teria passado um militante de esquerda chamado Roberto Rodrigues. Procurei-o e me juntei a ele e ajudei na fundação da Casa de Cultura Paulo Pontes. Com essa participação conheci toda a esquerda revolucionária que tinha alguma vida política em Guarulhos.
Na época, me interessei por entrar em uma Organização chamada MEP — Movimento Pela Emancipação do Proletariado — que era, naquele momento, a mais numerosa de São Paulo e do Rio de Janeiro. A partir daí, minha militância se tornou mais organizada, diária e permanente. Vivia para a luta política contra a ditadura militar e pela construção de sua derrota.
Obedecia ao MEP em suas diretrizes e cheguei a participar de sua direção estadual. Dentre as políticas traçadas pelo MEP foi a de ajudar na construção do PT e da CUT, que era feita pela esquerda revolucionária, a igreja católica e os sindicalistas combativos.
Dediquei à essas construções e às lutas da categoria metalúrgica e das oposições sindicais todo resto de minha existência política. Acho que depois, nem percebi, fiquei velho.
Walter: Você acredita que Guarulhos encararia melhor a pandemia e a crise política se tivesse maior participação popular nas suas decisões?
Albertão: Guarulhos certamente teria tido melhor sorte em relação à pandemia e à crise resultante dela se houvesse maior mobilização popular e, ainda, melhor governo municipal.
Mas sejamos francos, nada, absolutamente nada, foi proposto pelas esquerdas organizadas da cidade. Sei que é difícil, fora do governo, realizar alguma coisa que repercuta fortemente, mas nenhuma reunião foi chamada por quem dirige as organizações. Nenhuma mobilização online tendo como pauta a discussão da doença. Nada foi mobilizado para exigir providencias dos governos.
Os vereadores fazem cara de paisagem e fingem que nada tem a ver com eles. São todos omissos. Não houve nenhuma criatividade e nem se pensou em obter informações sobre a gravidade do contagio e do número de mortes. Enfim, nada foi feito e nem tentado.
O povo da esquerda da cidade adora live disto, live daquilo. Coisas como ”hoje teremos uma live com a professora, doutora, pós doutora, pós-pós doutora – hiper doutora, livres docentes de lives doentes sobre a pandemia e o complexo de édipo”.
Cacete! Quantos morreram no Taboão? Quantos morreram no Cecap? Quantos morreram no Pimentas? Ninguém sabe de porra nenhuma. Ninguém quer entender como a doença se manifesta. Ninguém se interessa por propor que ao menos tentemos convencer a população para o distanciamento social. Parece que temos medo de cobrar das empresas suas responsabilidades. Quer ver um exemplo: as empresas continuaram a trabalhar, enquanto isso os transportes de aluguel, os chamados ônibus fretados, estão ociosos e seus proprietários e funcionários em dificuldade. Uma lei poderia exigir que o transporte fosse ofertado e pago pelos empresários, de forma individual ou consorciada. Isso evitaria o contagio que ocorre nos transportes coletivos públicos.
Bem, a resposta é óbvia, se houvesse participação popular a tragédia seria menor, mas para haver participação do povo, as lideranças têm que assumir seu papel. Aqui em Guarulhos os caras saem de uma eleição pensando na próxima. Se houver um paraíso de esquerda, o Papai Marx não vai deixar essa raça entrar.
Walter: Como você acha que a juventude pode se organizar para lutar contra as políticas neoliberais?
Albertão: A juventude, em sua maioria, é liberal. Veja como o bolsonarismo é aceito por boa parte da mocidade. Mesmos os que se dizem de esquerda são falhos no modo de enxergar o mundo. Eles vivem suas divisões de dor e sofrimento nos tais movimentos identitários sem relação com a luta de classes (…) [e esquecem que] sofrem, antes de quaisquer discriminações, a de classe.
Nos discursos dos meninos e meninas, observo que isso não é considerado. Canso de ver gente abraçada aos algozes burgueses e aos párias pequenos burgueses dizendo “somos diferentes na politica, mas estamos juntos na luta por isso e por aquilo”.
O neoliberalismo também luta contra as discriminações. Veja a Globo, o tal BBB, os jornais burgueses, as revistas das elites, todos se assumem contra os preconceitos. Só não defendem a igualdade econômica. Só não aceitam o poder para os mais pobres. Só não querem o fim da exploração da força de trabalho da pobreza. Só não querem o fim da riqueza que é a única forma para que finde a miséria. E muitos e muitos e distantes etceteras.
Enfim, um conselho para a juventude, não envelheçam tentando ter consciência das coisas, ou vocês vão ficar ranzinzas como eu.