Caminhos para se organizar politicamente contra as injustiças

Por Yanka Xavier

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Você já se perguntou por que o mundo é tão injusto ou já se sentiu extremamente impotente diante disso? Você não é o único. Pelo menos 95% do povo brasileiro se pergunta o mesmo todos os dias, isto porque somente 5% das pessoas mais ricas do Brasil detém a maior parte da riqueza não distribuída no país de acordo com a Oxfam em 2019.

A injustiça que citamos no título desse escrito tem nome e um significado bastante amplo, advém de circunstâncias históricas e concretas, e se manifesta principalmente nas divisões das classes sociais. Quem é rico, cada vez fica mais rico, e quem é pobre cada vez fica mais pobre. Onde não há vacina para todos, não há trabalho, não há alimento ou moradia, estamos falando aqui sobre o capitalismo. E não é somente o empobrecimento das pessoas que está atrelado a esse sistema, mas todas as variáveis que afetam nossa vida, e que afetam há muito tempo.

Hoje quero discutir e apresentar os caminhos e o porquê, pelo menos de forma introdutória, não sermos maleáveis quando a questão é o enfrentamento das injustiças, ou seja, quando não as aceitamos de fato e não desejamos ser conciliadores.

Parafraseando Rosa Luxemburgo: “Há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir”.

1. Consciência de classe

É preciso reconhecer que a primazia da nossa luta será definida pelo desejo de romper com a divisão das classes sociais. Primeiro porque é através dessa divisão que surgem diversas desigualdades. Para isso, é importante identificar a que classe a sua luta pertence. Não precisamos de grandes dotes intelectuais (embora reconheçamos que o capitalismo é extremamente complexo) para nos definir como classe trabalhadora. Essa luta de classes toma corpo mediante a ação política e organizada do povo contra a classe burguesa; a minoria dominante. Isso porque é através da ação e do debate que começamos perceber as imensas contradições que estão envoltas deste sistema e quando tomamos consciência das coisas, podemos superá-las.

“A história de todas as sociedades que existiram até hoje é a história de luta de classes”, Karl Marx em O Manifesto do Partido Comunista. (disponível para download no final desse escrito).

Para Marx

O conceito de classe em Marx sugere a posição do indivíduo para além da relação com a propriedade privada e os meios de produção, pelo menos dentro da particularidade capitalista onde há um contrato entre a força de trabalho e a troca de salário que será baseado visando o lucro do dono dos meios de produção (conceitos de valor e mais valor que Marx trabalhará em sua obra O Capital). Além da propriedade privada, Marx também observa as relações de produção e a ação (o movimento político) de uma classe contra a outra, ou da classe proletária contra a classe burguesa. No momento inicial de alienação, quando ainda não há ação política por parte dos indivíduos que compõe a classe, esses indivíduos estão dispersos nas relações sociais de produção e muitas vezes brigando entre si e reproduzindo o comportamento imposto pela ideologia burguesa dentro das disparidades produzidas pelo capital. Quando nos colocamos em luta e nos coletivizamos com interesses em comum contra a burguesia, nos tornamos classe.

A consciência de classe pressupõe a superação das contradições e conciliações impostas pela classe dominante. É romper com esse paradigma. É a transformação da classe entre si, para uma classe para si.

2. O começo do fim é sempre pela raiz do problema

É preciso compreender logo de início que a injustiça é uma causa que tem sua raiz baseada num projeto político complexo e bem definido, e que esse projeto é sustentado por diversas vias, dentre elas a via ideológica liberal que é usada pela burguesia, principalmente através de grandes mídias, para nos fazer acreditar que não há alternativas para o capitalismo; que o mundo é assim e que devemos aceitá-lo a sua maneira e se esforçar ao máximo para sobreviver, como se tudo isso que nos acometesse fosse um processo neutro e natural das relações sociais em todo o mundo.

Essa ideologia também se manifesta em frases como “O Brasil está quebrado”, “Crie seu próprio emprego”, “Não tem comida e nem moradia? Isso é falta de vontade”. Afastar-se desse raciocínio é afastar-se do pessimismo irracional e aproximar-se da criação de alternativas contra essa imposição.

3. Lutar é um ato de amor

Quando dizemos que lutar é um ato de amor, ressaltamos o amor em sua amplitude, o amor que acolhe com compromisso à luta e seus irmãos e irmãs. Não existe uma luta que se vença sozinho, principalmente quando o seu inimigo está munido dos maiores privilégios de ataque e defesa. Amar é se reconhecer no outro, isso quer dizer que só através da união, solidariedade e da organização uns com os outros é que teremos a chance da vitória. O primeiro passo é a aproximação. Esteja disposto a se aproximar de um movimento social, um coletivo popular, um sindicato e outros. Existem muitos meios que compõem a luta.

“Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens [humanidade], não me é possível o diálogo. Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante.” - Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido (disponível para download no final desse escrito).

4. Ter coerência entre a fala e a prática

Aqui, entramos no eixo da práxis. Práxis, em linhas gerais, é a compreensão da prática através do exercício da mesma. Ou seja, é o diálogo entre a fala, o entendimento da realidade e a ação sobre ela. É tomar consciência de que o discurso e a prática devem estar coerentes com a interpretação e ação mediante a sociedade e qualquer outro espaço de luta. Para Paulo Freire, que baseado nos escritos de Marx também trouxe a palavra para o Brasil no campo da educação popular: “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática”. Não há nada mais acolhedor e convidativo que o próprio exemplo.

A socióloga Sabrina Fernandes aprofundará o conceito de práxis com bastante clareza em seu livro Sintomas Mórbidos.

5. Aprimorar o conhecimento através da leitura

É fundamental aceitar que, desde o início, você terá que se debruçar sobre esses debates através do estudo e da leitura. A compreensão das contradições e complexidades da luta de classes não se dará de forma espontânea. A própria leitura é uma questão de hábito, afinal, não nascemos leitores assim como não nascemos andando, nós precisamos nos levar a ler, de preferência os escritos que fortaleçam nossa organização e a construção das alternativas contra o capital. Há leituras de todos os tipos, desde o deleite, o acolhimento, a teoria e a prática. Os aprimoramentos necessários que surgem através do exercício, pensamento e ação, sempre passam antes pela leitura.

6. Aprender com os erros

Os erros serão muitas vezes o ponto de partida para um renascimento, e só é possível aproveitarmos de tal situação quando essa passar pelo exercício do aprendizado. O aprendizado aqui será como o indivíduo e o coletivo trabalhará com esse erro na aplicabilidade da prática e do devir da ação tática e política. E vale ressaltar que estamos aqui escrevendo sobre erros e não crimes. Esse erros serão necessários para a evolução no âmbito da maturidade política.

7. Ruptura com a austeridade

Na conjuntura atual do Brasil, a política de austeridade vem sendo a principal ferramenta para dizimar a população pelas vias do mercado e do Estado. A austeridade aqui se revela como políticas econômicas que usam o discurso “o país está quebrado” para nos fazer acreditar que, dentro dessa situação, eles tem total liberdade para estrangular a população através da perca de direitos e o fim das políticas públicas voltadas ao combate da desigualdade entre as classes. Por exemplo, a privatização ou extinção de setores públicos estratégicos como educação, trabalho e saúde. Nesse contexto, não temos o luxo de não sermos radicais.

Indicação de leitura para encorpar a conversa:

O Manifesto do Partido Comunista; disponível em: https://www.expressaopopular.com.br/loja/wp-content/uploads/2020/02/manifesto-comunista-EP.pdf

Pedagogia do Oprimido; disponível em: https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/10/Pedagogia-do-Oprimido-Paulo-Freire.pdf

Relatório Oxfam:
https://www.oxfam.org.br/um-retrato-das-desigualdades-brasileiras/a-distancia-que-nos-une/