10 minutos para leitura
Trajetória e a viagem para conhecer o maior acelerador de partículas do mundo
Por Melissa Castro
Entrevista com o Professor de Física Fábio Silva Cruz – Texto: Melissa Castro
“Desejo que transformem o mundo para que todos e todas tenham oportunidade de sonhar e realizar.”
Melissa: Caro professor, um prazer entrevistá-lo! Quero saber sua história aqui no cursinho. Como conheceu o A-Sol? Conta sua trajetória pra gente!
Fábio: Eu conheci o cursinho no meu terceiro ano do Ensino Médio, em 2010, quando ele realizou o seu primeiro projeto Enem, mas como realizava o curso técnico não consegui conciliar as três coisas, então voltei para o cursinho como aluno do curso preparatório em 2011. Nessa época, tinha 18 anos. No ano seguinte, consegui ingressar na Universidade e, no meio do ano de 2012, assumi as aulas de Física do A-Sol, no qual fiquei até o ano de 2016. Neste período, também pude ter a experiência de coordenar os professores.
Melissa: Sempre gosto de perguntar: por que você escolheu física? E quando você começou a estudar na USP? Como foi estar nesta tão disputada universidade?
Fábio: Acho que sempre fui curioso sobre o funcionamento das coisas, sempre desmontava brinquedos para saber como funcionavam, claro que montar eles de volta já era mais difícil.
Mas o que foi determinante para escolher física foi o curso de Técnico em Automação Industrial, que me deixou ainda mais interessado por entender o funcionamento das coisas, mas agora de forma mais ampla, a Natureza. Então estava decidido que iria fazer Física, mas quando entrei no cursinho pude perceber de forma mais clara o poder da educação e fui contagiado, o que me levou a escolher a Licenciatura em Física. Então em 2012 entrei na USP, um grande marco, sendo um dos primeiros a fazer faculdade pública na minha família. Quando cheguei lá, fiquei maravilhado com o tamanho e as possibilidades que lá eu teria.
Lembro que uma das primeiras coisas que eu fiz após a matrícula foi ir no bandejão. Cursar essa universidade foi um desafio, principalmente nos primeiros anos, vale uma observação que desde o segundo semestre do primeiro ano eu obtive auxílio transporte e alimentação, que depois foram trocados por bolsas de iniciação, o que permitiu que eu me dedicasse integralmente à universidade. Elas foram sem dúvidas muito importantes para que eu realizasse uma formação legal. Mas eu sou muito feliz e agradecido pelo o que pude viver na universidade, como congresso, palestras, aulas, festas, organização de eventos… Gostei tanto de estar na universidade que, após me formar em 2017, decidi que iria fazer o mestrado, o meu ingresso demorou mais dois anos, a prova de língua inglesa foi a responsável por esse tempo de espera. Mas neste tempo não me afastei da universidade, fiz cursos de formação, cursos como aluno especial, participei de seminários de ensino e, em 2019, consegui ingressar no Mestrado em Ensino de Física, que hoje está em andamento.
Aula para alunos do cursinho A-Sol em 2019
Melissa: As primeiras experiências em dar aula foram no cursinho, certo? Acho maravilhosa a sua disposição e dinâmica, lembro das aulas que tive com você. Você mostra sua paixão por física! Nessa pandemia, o trabalho do professor fez muitas pessoas verem que não é fácil e que nunca foi. Até experiências on-line você tem feito com seus alunos, por favor nos fale sobre as aulas remotas nesta pandemia.
Fábio: Sim, minha primeira experiência como professor foi no Cursinho, o qual sou muito grato por isso. A Pandemia realmente trouxe mais um desafio para a carreira docente e também para os alunos, pois foi uma surpresa e, em tempo record, tivemos que nos reinventar como professores(as) e alunos(as). Quando me vi diante desse novo desafio, sabia que não seria fácil e iria exigir ainda mais tempo de dedicação, busquei ao máximo me adaptar ao novo, mas sem trocar algumas relações fundamentais que é o diálogo, o prazer de desvendar o novo e o respeito ao tempo de aprendizagem. Hoje sou professor do Colégio Gardhon Bandeiras, um colégio particular em Guarulhos, que atuo com turmas do 8° ano, com aulas de matemática, e alunos do Ensino Médio, com as aulas de Física. Tem sido um desafio enorme fazer com que as aulas e o tempo investido na frente do computador tenham sentido neste momento tão complicado que o mundo está vivendo. Espero que esteja conseguindo fazer sentido, mas com a consciência que sempre há algo a melhorar e que ouvir os alunos nesse momento é fundamental.
Aula no atual colégio que trabalha: o Gardhon Bandeiras.
Melissa: Fábio, sobre o CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear) você se inscreveu em um curso que eles oferecem em parceria com o Brasil e Portugal, como foi a pré-seleção de participação?
Fábio: O curso é oferecido todo ano há 20 professores(as) de todo o Brasil e, para poder participar, deve-se passar por três etapas, uma análise do currículo e de um texto de justificativa, estar atuando no Ensino Básico e realizar uma proposta de intervenção com a sociedade na volta do curso. São escolhidos no mínimo um professor(a) de cada estado do Brasil e, no ano de 2019, com uma alegria enorme, recebi a notícia de ser um dos representantes de São Paulo.
Melissa: Que incrível deve ter sido! Quando você viajou, primeiro ficou em Portugal e depois foi à Suíça? Soube que lá também tem a casa, que agora é um museu, do incrível Albert Einstein. Me fala sobre a viagem em si e as pessoas que conheceu.
CMS – Foto: Maximilien Brice/Cern.
Fábio: Foi uma viagem incrível, mas antes gostaria de agradecer a todos(as) que me ajudaram a realizá-la, pois, após ser selecionado, venho a insegurança. Para ir ao curso e devido aos cortes do governo, os professores deveriam arcar com o custo da viagem, que foi em torno de R$11.000. Logo, busquei ajuda da família e do colégio que me cedeu o adiantamento das férias e do décimo terceiro, e me pagou as horas extras que havia acumulado; com isso, tinha R$ 4.000 reais e me faltava R$ 7.000, então lancei uma vakinha online com o valor de seis mil reais e foi incrível como teve adesão. Recebi bastante ajuda de amigos, professores, ex-alunos e pessoas desconhecidas, e, antes do tempo estipulado, consegui o valor da vakinha e o restante do valor realizei bingo, rifas e recebi doação de funcionário do colégio. Foi incrível o apoio que recebi e deixo meu muito obrigado a cada um que acreditou na educação.
No dia 27 de agosto de 2019, parti com mais 19 professores e professoras do Brasil rumo à Portugal, que gentilmente forneceu parte de suas vagas aos professores(as) brasileiros(as). Lá, participamos de um curso preliminar no Laboratório de Instrumentação e Física de Partícula (LIP) na Universidade de Lisboa e pudemos conhecer a cidade e seus museus científicos. Após três belos dias em Lisboa, parti para a Suíça, destino final, no alojamento do CERN. Nossa estadia no CERN seria de 9 dias, nos quais 8 dias seriam de curso sobre o Modelo Padrão e visita aos laboratórios, curso bem extenso e completo. No curso, participaram professores e professoras Portugueses(as), Brasileiros(as) e dois professores Angolanos.
Além da aprendizagem da Física, o curso proporcionou um intercâmbio cultural. Pude aprender bastante, além de respirar a atmosfera do CERN e ter contato com os pesquisadores e a Diretora Fabiola Gianotti que só tinha visto através do documentário. Antes de partimos, fomos a Berna, à casa de Albert Einstein e ao museu. Foram 12 dias que transformaram minha experiência de vida, assim como vieram a transformar minhas práticas em sala de aula.
Laboratório do CERN na Suíça, 100 metros abaixo do solo. Setembro/2019
Melissa: E quando você chegou no CERN? Sei que ficam mais de 100 metros abaixo do solo! O que você viu no curso?
Fábio: Nossa, não pude acreditar que eu estava no maior laboratório de Física de Partículas do Mundo, até hoje ainda desacredito, tenho em minha sala, em moldura, o crachá que usei para lembrar sempre que estive lá. É um lugar onde se pensa e vive ciência, e poder compartilhar almoço e jantares com os maiores cientistas do mundo é, sem dúvida, um privilégio que levo em minhas memórias e desejo a todos(as) que gostam de ciência. Realizamos cursos teóricos, práticos e o mais esperado momento, fomos a um dos detectores a 100 metros abaixo do solo, uma máquina do tamanho de um prédio de quatro andares, com cada equipamento eletrônico soldado à mão. Foi um sentimento único da grandiosidade da mente humana.
Melissa: Li sobre o Brasil ter vários pesquisadores que atuam em parceria com o CERN, vejo isso com uma grande oportunidade para o futuro tecnológico do Brasil, pois também temos um acelerador aqui no Brasil, né? O UVX e o Sirius, em Campinas.
Sirius: maior estrutura científica do país, instalada em Campinas (SP). — Foto: CNPEM/Sirius/Divulgação
Fábio: Sim, temos bastantes pesquisadores brasileiros trabalhando no CERN e muitos nos receberam em nosso curso em 2019. Mas o Brasil não é país-membro do CERN, apenas têm o título de colaborador, que atua e utiliza dados para a realização de pesquisas. Mas é importante que viremos membros, o que significa ter maior possibilidade de desenvolvimento de pesquisa e acesso aos recursos tecnológicos produzidos lá, além de também contribuirmos de forma mais efetiva com a pesquisa mundial. O Brasil tem contribuído muito com a pesquisa de Física de Partícula, desde seu início. Não posso deixar de citar o Professor César Lattes, que foi um dos responsáveis por desenvolver uma técnica de detecção de partículas dos raios cósmicos que levou à descoberta da partícula chamada méson pi, o que deu o prêmio mais importante da Física, Nobel, aos seus descobridores.
Hoje, os pesquisadores e pesquisadoras do Brasil têm contribuído com pesquisas e tecnologia ao CERN, só como exemplo o Instituto de Física da USP, com parceria com a Escola Politécnica da USP, tem construído com tecnologia 100% brasileira um chip que fará parte das novas mudanças no detector do LHC. O chip recebeu o nome carinhoso de Sampa. Além de contribuir com a ciência mundial, o Brasil também tem produzido ciência nacional de ponta, entre elas, destaco o acelerador Sirius, que conheci antes da ida ao CERN, considerado o maior acelerador de luz sincrotron do mundo. Diferente do CERN, que acelera prótons, o Sirius acelera elétrons que, ao serem freados, emitem radiação (luz sincrotron), o que permite que visualizamos objetos muito pequenos, tão pequenos que recentemente o Sirius conseguiu criar a primeira imagem do coronavírus (Sars-Cov-2), o que foi fundamental para seu entendimento e para dar o pontapé para as primeiras vacinas.
Melissa: Obrigada pela participação na nossa coluna, fico muito feliz com essa importância que o Brasil tem na ciência! O que você quer deixar de “recado” para essa geração de estudantes?
Fábio: Agradeço pela entrevista, é sempre uma alegria poder contribuir com o cursinho A-Sol e compartilhar um pouco da minha experiência nesta viagem incrível.
Eu não diria um recado, mas um desejo:
Eu desejo que todos e todas possam sonhar, os sonhos mais loucos, e conseguirem realizá-los.
Desejo que vocês tenham a oportunidade de estudar e perceber o poder do conhecimento.
Desejo encontrá-los e encontrá-las nos lugares mais incríveis.
Desejo que transformem o mundo para que todos e todas tenham oportunidade de sonhar e realizar.
Obrigado, até breve!
Seguiremos na luta por uma educação que permita sonhar.