Uma tentativa em compreender a epistemologia Bolsonarista

Por José Ricardo Satilio da Silva

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Quem não esbarra de vez em quando, principalmente na internet, com um típico comentário daquelas pessoas, normalmente classe média e negacionista, que se acha o detentor de toda verdade e se sentem legitimados, em sua própria arrogância, em apoiar os estragos do cenário político atual, com base no ódio elitista aos grupos excluídos da sociedade principalmente negros, mulheres, lgbtqia+. A turma que só consegue dialogar nas bolhas das redes sociais porque ali estão outros grupos que comungam das mesmas ideias. E o problema maior qual é? Na maioria das vezes, eles não sabem que não sabem.
Tenho uma suspeita de onde vem pelo menos parte do problema. Vamos tentar desvendá-lo…

O professor Camilo Onoda Caldas em seu livro sobre a metodologia de pesquisa do direito, cunhou um conceito o qual acomete os alunos no momento em que estão estudando.
Caldas diz que todo aluno ao estudar é assaltado por um estado psicológico desconfortável diante do texto que o traga algo novo. Um estranhamento que desembocará em duas ações: ora o aluno despreza o texto, pois entende que tudo o quanto precisa saber, ele já sabe, isto é, o texto torna-se inútil. Ora o aluno não suporta sua falta de entendimento diante da complexidade do assunto tratado e dessa maneira sente-se desanimado, depressivo, cansado e até incompetente.
As duas formas de ação denotam o que o autor chama de ditadura do entendimento, ou seja, há uma rejeição daquilo que nos tira do conforto do saco gestacional, da zona de estabilidade, do sentimento de pertença. O que nos coloca diante do nascimento do conhecimento é esse modo de operar mutilado.

Dentre ambos aspectos, Onoda chama de preconceito, isto porque ao agirem, tanto os que se subestimam quanto os que ignoram o texto agem direcionados por preconceitos.

Ao meu ver, no grupo dos superestimados, residem os bolsonaristas. Não que seja privilégio deles, é claro, uma vez que em todo espectro político há os obtusos de plantão que preferem o preconceito ao estudo. A ignorância é escolhida ao invés da investigação científica que pode também nos ajudar no entendimento do funcionamento, finalidade e teorias acerca da nossa sociedade.

Foi eleito, por sua vez, o pior dos candidatos para o cargo de chefe do executivo federal. Hoje, talvez nem pior dos analistas políticos teria coragem de defendê-lo.

Ademais, Caldas assevera que esta ação de tudo saber, bem como de esnobar o conhecimento, redunda num reacionarismo, uma vez que se entra num espiral que os levam sempre ao passado, pois é de lá que vêm suas referências de conhecimento.
Essa epistemologia aponta para um sujeito autocentrado, amante do conhecimento que trata com desdém tudo aquilo o qual não se apresente como imediato a sua própria inteligência, logo, é tido como o que não os interessa.
Posto que a ciência seja uma das maneiras possíveis de romper com essa epistemologia, é necessário entender que muitas vezes a própria ciência é produtora de preconceitos em detrimento de seu campo ideológico. Ademais, parafraseando Fanon, por intermédio da ciência tanto se liberta o homem como também o agrilhoa.
Ressaltada as questões pertinentes, a ciência pode se apresentar como combatente de preconceitos, na medida em que seu movimento de investigação incessante a leva ao encontro do novo, o que, a seu turno, põe-se a romper com as velhas estruturas do pensamento.
Por fim, hoje, conceitos tais e quais como liberdade, igualdade e fraternidade, os quais deveriam ser grandes objetos de investigação do nosso tempo, apresentam-se como ideias inequívocas, incapazes de se questionar.
Onde não há discussão, não há diálogo, e onde não há diálogo, não se permite a pluralidade; onde não há pluralidade, a política não se estabelece; onde ela não se estabelece, não se encontra a Democracia; onde não se tem Democracia, a ditadura da ignorância ao fim e ao cabo reina.

Bibliografia
CALDAS, Camilo Onoda et alii - Manual de metodologia do Direito: Estudo e pesquisa - São Paulo: Quatier Latin, 2010.