4 minutos para leitura
Está proibido ser cishetero
Por Isabelle Matoso
Junho é conhecido mundialmente como o “Mês do Orgulho LGBT”, marcado por paradas e eventos de ações afirmativas da comunidade, em que é celebrado o orgulho de ser, existir e resistir; além de reforçar as lutas diárias pela garantia de direitos e respeito. Mas por que nesse mês?
No ano de 1969, mais precisamente em junho, ocorreu a Rebelião de Stonewall —uma série de manifestações de membros da comunidade LGBT contra uma invasão policial ao bar Stonewall Inn, em Nova York. Não foi a primeira vez que a polícia foi violenta e intolerante, mas foi a primeira em que os frequentadores do bar se posicionaram contra. Grupos de ativistas se organizaram em protestos e motins em oposição à opressão policial em diversos outros estabelecimentos voltados à comunidade, o que desencadeou na fundação de inúmeras organizações de direitos LGBT, não apenas nos EUA, mas também ao redor de diversos países.
A partir de 1970, iniciaram-se marchas anuais em comemoração ao aniversário da Rebelião de Stonewall; incluindo a Parada do Orgulho LGBTQIA+ de São Paulo, que começou em 1997 e hoje é reconhecida como uma das maiores do mundo.
Mas muito antes disso, em 1950, um grupo de homens gays e comunistas fundaram a Mattachine Society — primeira organização de ativistas dos direitos gays nos Estados Unidos. Seus principais objetivos eram: unificar os homossexuais, definindo a comunidade como minoria social que deveria lutar por direitos igualitários — até então, o termo era usado apenas para se tratar de mulheres ou grupos étnico-raciais; educar a população; e realizar pesquisas, promovendo uma “cultura homossexual ética” e superando a ignorância e preconceito.
Origem do movimento no Brasil
Na década de 70, em plena Ditadura Militar, surge o SOMOS: Grupo de Afirmação Homossexual, considerado o primeiro grupo ativista brasileiro. Após um debate na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, protagonizado pelo SOMOS, nascem ao menos outros 9 grupos no país, que formam o I Encontro dos Homossexuais Militantes no final do ano de 1979. Entre os pontos discutidos pelos militantes, os principais foram: o respeito à “opção sexual” garantido pela Constituição Federal; e a exclusão de “homossexualismo” da lista de doenças mentais.
Em meados dos anos 80, passeatas pró-LGBT aliadas aos movimentos negro e feminista começaram a chamar atenção de partidos políticos, que cederam algum espaço a representantes dos grupos ativistas e se envolveram na causa, declarando apoio público à descriminalização e despatologização da homossexualidade. Com o fim da ditadura, entretanto, houve uma desunião entre os movimentos, que não mais lutavam contra um inimigo comum. Bem como a epidemia de AIDS, que reforçou preconceitos e desmobilizou as propostas anteriormente debatidas.
Em 1990, o movimento voltou a crescer. O termo “orientação sexual” começou a ser utilizado e as identidades da comunidade tomaram forma. Os grupos de lésbicas, gays,bissexuais, travestis e transexuais, apesar de semelhantes, se organizaram com suas próprias individualidades. Em 1995, surge a primeira (e maior) rede de organizações LGBT no Brasil, a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis), reunindo quase 200 grupos de ativistas ao redor do país. E em 28 de Junho de 1997, em São Paulo, nasce a 1º Parada do Orgulho LGBT, com o tema “Somos muitos, estamos em várias profissões”. Um evento de celebração, militância, visibilidade e reivindicação de direitos.
Pink Money
É claro que o capitalismo não perderia uma oportunidade de se apropriar de uma pauta identitária, acontece com o movimento negro; o feminismo; até mesmo com defensores de pautas ecológicas. Quando se trata de produtos voltados à comunidade LGBT, essa prática é chamada de “Pink Money”. Algumas empresas aproveitam o Mês do Orgulho para vender produtos personalizados ou limitados, como um coletor menstrual nas cores do arco-íris ou uma lata de cerveja estampada com ilustrações de casais não-heteronormativos. A comunidade, sedenta por alguma representatividade, se torna uma das maiores consumidoras no mercado.
A mercantilização de uma pauta social é ainda mais problemática quando as empresas apenas lucram em cima de grupos minoritários, não promovem ações afirmativas, não contratam pessoas plurais, ou não dão oportunidades para que haja diversidade na ocupação de cargos altos. A pauta se esvazia, torna-se apenas comércio temático. Dessa forma, o consumo responsável é necessário. Como ativistas, que ainda sofrem com preconceitos diários, falta de direitos e baixa qualidade de vida, é importante analisarmos que tipo de pessoa estamos financiando. Sempre que possível, busque saber quais causas sua marca favorita apoia, se há LGBTs envolvides na criação dos produtos, se ela não se lembra da sua existência apenas em junho. A comunidade LGBT é um povo animado, mas também precisa ser um povo consciente.
Fontes:
Stonewall Riots - Andrew Matzner, glbtq, 2015
Rethinking the Gay and Lesbian Movement - Stein; Marc, 2012.
Histórico da luta de LGBT no Brasil - CRPSP, 2011.
Os primeiros grupos de afirmação homossexual no Brasil contemporâneo - NASCIMENTO, A. F., 2015
Sp Faz Sua 1ª Parada Do Orgulho Gay - Memorial da Democracia.