Por que o projeto de militarização não resolverá as problemáticas nas escolas?

Por Yanka Xavier e Rebeca Assis

Featured image

Não é possível analisar a conjuntura do país sem passar pelo debate do militarismo. Reconhecendo isso, propomos dialogar com o leitor e leitora o porquê do militarismo ser uma experiência que não resolverá os problemas envoltos nas escolas que, tampouco, permitirá que essas questões sejam tratadas em um diálogo horizontal com as periferias e os trabalhadores da educação.

Um ponto fundamental atribuído ao debate da militarização se refere ao combate da violência através da ação autoritária, e pausamos aqui já para observar a contradição acusatória que é atribuir às escolas a fonte estrutural da violência recorrente no país, como se a comunidade escolar que também está no olho desse furação fosse a causa e não a consequência da ausência de soluções concretas no âmbito da educação.

É preciso salientar que a educação compõe um grupo de setores que é chave motora para muitos pontos estratégicos no país e, por isso, se entregue às mãos do policiamento, pode ser que não seja mais educação, mas sim uma grande cúpula de defensoria de interesses individuais. Ora, se os trabalhadores da educação, os estudantes e a comunidade, que são a base dos processos educacionais, não têm prioridade nos debates, por que esse projeto resolveria as questões da escola?

O fato é que o militarismo não tem que domesticar as escolas porque já aprendemos há muito tempo com diversos educadores através de sua pesquisa e experiência como Dermeval Saviani, Paulo Freire, Nadejda Krupskaia e tantos outros, que a educação não existe para essa finalidade. Não é à toa que inúmeros trabalhadores da educação se manifestam contra essa atitude e apontam, ainda, que isso seja mais um ataque que advém de um projeto político militar, cuja finalidade é aparelhar setores estratégicos do Estado para que a burguesia e a ideologia dominante se firmem no poder, enquanto afasta-se a população da fiscalização e da participação política.

A substituição de educadores por militares parte da ideia de que a escola fracassou, que não consegue “impor respeito, controle, disciplina” e que para o atual governo o medo fará a juventude mais disciplinada, servil, submissa. A exigência de que os alunos e alunas, por meio da coerção, cumpram regras rígidas da cartilha militar, torna extremamente difíceis as manifestações de individualidades e a defesa dos direitos dos estudantes, o que fere o princípio constitucional da educação como propiciadora do “desenvolvimento pleno, o preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”.

Para além disso, a retirada de profissionais de educação, dos quais é exigida formação específica e pedagógica, substituindo-os por militares, aprofunda o processo de desvalorização e desprofissionalização das professoras e professores, desqualificando a escola pública como espaço de direitos e exercício da cidadania, contribuindo assim com o avanço da privatização da educação. Isso também significa retroceder naquilo que se conquistou historicamente na Constituição, na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e nos planos de educação, pois a escola que padroniza estudantes, proíbe diferenças e diálogos, sem pluralidade de ideias e com apenas uma moral não está de acordo com o direito à educação, que prevê liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte, o saber, pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, respeito à liberdade e apreço à tolerância.

Importante ressaltar que já existem inúmeras denúncias referente ao comportamento violento e opressivo de militares contra estudantes e educadores nas escolas que passam pelo processo da militarização (veja nas referências disponíveis ao final deste artigo).
A escola pública, necessária nos tempos atuais, além de possibilitar o acesso aos conhecimentos historicamente construídos, deve se constituir em espaço de atividade criativa e de manifestações de individualidade, de liberdade de expressão e liberdade de ensinar/aprender. Tal instituição tem uma função social específica na sociedade, devendo operar de forma laica e para todos, de modo concomitante e não concorrencial com outras instituições importantes, como família, religião e segurança.

O Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares constitui-se como uma tática de manipulação através do medo, cuja intenção objetiva é impedir o pensamento crítico das crianças e jovens pobres e adestrá-los como mão de obra, privando a juventude trabalhadora do acesso à cultura e à socialização do conhecimento.Autores

Rebeca Assis. Estudante do A-Sol em 2015 e 2016. Atualmente é graduanda em pedagogia na Unicamp, compõe a coordenação pedagógica do cursinho e é roteiristas da coluna de educação da revista.

Yanka Xavier. Pedagoga, graduanda em Geografia e Coordenadora do Cursinho Comunitário A-Sol.