O Cinema como um retrato social

Por Luka Oliveira, Thiago Alves e Caroline Locatelli

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Os colunistas de Cinema da revista A-sol fizeram para esse mês uma curadoria mais que especial para o nosso cinema nacional. Iniciamos nossa coluna com uma resenha crítica do grande projeto de Wagner Moura. O Luka nos guiará por uma viagem histórica, política e social, através do filme Marighella. A Carol fez uma análise especial sobre o marcante filme Cidade de Deus. E olha, se depois da resenha do Thiago, você não concordar que Tropa de Elite 1 e 2 são os melhores filmes nacionais, nada mais irá mudar sua mente.

Nossos colunistas trouxeram para você, nosso leitor e leitora, uma humilde homenagem ao nosso cinema brasileiro. Espero que esteja em um lugar confortável para ler, sinta-se à vontade, leia e depois vá assistir aos filmes. Queremos ouvir sua opinião também! Estamos esperando vocês nas nossas páginas, conta para a gente sobre suas experiências com os filmes que tem assistido e indique seu filme favorito para a gente!

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Marighella (2019)

Nascido na Bahia, neto de escravos sudaneses, poeta, deputado federal, escritor aclamado, torcedor do time de futebol Vitória, e de acordo com a ditadura: o inimigo número 1 do Brasil.”

Talvez 2 horas e 35 minutos não sejam suficientes para explicar o grande horror que foi o período da Ditadura Militar, e tão pouco para mostrar a trajetória de um dos maiores nomes do combate à Ditadura, mas acreditem, é o suficiente para chocar.

Adaptado do livro “Marighella – O Guerrilheiro Que Incendiou o Mundo”, o filme protagonizado pelo grande ator, compositor e musicista Seu Jorge, traz à tona a não só a trajetória de Marighella no combate a Ditadura Militar, mas o cinema como um retrato político da história do Brasil. O roteiro do filme não poupa espaços para denunciar que em 1964 ocorreu de fato um Golpe, patrocinado pelos Estados Unidos com a premissa de livrar o Brasil do Comunismo. A narrativa de “Marighella” é clássica. Com diálogos expressivos, cenas emocionantes, trilha sonora em completa harmonia com a cena e câmeras que focam na imagem-afecção1 .

(Fotografia de Seu Jorge como Marighella)

O cinema não tem por objetivo ser uma cópia perfeita da realidade, pois para isso, já temos a própria realidade. O cinema está mais para um convite a apreciação e ao entretenimento. Porém, às vezes, isso é deixado em segundo plano e o cinema torna-se, assim, um grito. Um manifesto que procura retratar a realidade e expressar suas ideias através da fantástica experiência que só o cinema promove. O filme Marighella tem algumas formas de deixar isso bem enfatizado.

O grande objetivo do filme é retratar o significado da luta, não apenas como uma forma de buscar seus direitos, mas como uma condição essencial de defesa pela liberdade e igualdade de um povo que em um momento foi “covarde” — como é dito no filme — e no outro, um momento de consciência e, sobretudo, resistência.

Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis” – Assim escreveu o dramaturgo socialista, Bertolt Brecht.

Carlos Marighella foi um destes homens que lutaram por toda a vida. Com sua postura revolucionária, Marighella foi um brasileiro anti-imperialista famoso pelo seu comportamento radical, mas realmente, pensar apenas isso é limitar-se muito na superfície dos fatos. A grande questão em Marighella é justamente o amor por uma causa que transcende apenas a sua realidade, Marighella foi um cidadão brasileiro que lutou pela nação, e não apenas um homem que se revoltou por perder seus direitos. Ele pensava na realidade dos jovens, no futuro do seu filho, Marighella não estava preso a um conceito, partido ou movimento, ele estava preso em uma luta. Portanto, certo ou errado, ético ou antiético, moral ou amoral, a provocação e reflexão crítica que o filme de Marighella propõe, é justamente como colocou o Wagner Moura, diretor do filme. “[…] Se você tem hombridade, moral e dignidade, suas armas são muito frágeis contra essa Po##% toda.”

O filme de Marighella também tem outro grito, aquele que se direciona diretamente no combate das narrativas políticas. “É golpe ou Revolução de 64?”, “Ditadura ou Regime Militar?”, “Houve ou não houve torturas?”, enfim, Marighella vem justamente para combater esse momento de subjetivismo e negação da história.
O filme retrata não apenas o medo que é viver sob uma ditadura, mas também como é uma cena de tortura, como é um controle de imprensa, um controle jurídico, e ainda mais, o que é o horror de uma realidade dominada por censura, mas acima de todo esse horror, o povo brasileiro teve coragem para enfrentar tudo isso.

Rondó a Liberdade

É preciso não ter medo,
é preciso ter coragem de dizer

Há os que têm vocação para escravo, mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.

Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

O homem deve ser livre…
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir quando não se é livre
em todas as gamas do humano sentimento.

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

(Carlos Marighella, São Paulo, Presidio Especial, 1939)

A Ditadura Militar (1964-1985) foi um dos períodos mais obscuros da história do Brasil — mortes, torturas, miséria, inflação, censura, repressão contra artistas, trabalhadores, camponeses, estudantes, cientistas e diversos intelectuais. Um momento como este não deve ser motivo de comemoração. Saudar a Ditadura, é saudar a perseguição e a morte. Levantar a bandeira de pedido de uma Ditadura em uma Democracia é negar a memória de todas as pessoas que morreram nesse período. Desde 2013, há uma crescente ideia de que o Brasil precisa reestabelecer um governo autoritário para se tornar uma “pátria exemplar”. É inevitável que esse discurso ideológico reacionário é limitado para uma determinada categoria social que visa apenas aumentar sua exploração e seu poder individual.

O Brasil, para se tornar uma pátria exemplar, não precisa se refugiar em conceitos reacionários excludentes. O combate diante dessas políticas de injustiças é sempre o trabalho da classe popular, que visa os conceitos de humanidade, solidariedade, inclusão e igualdade. O filme tem Marighella tem esse grito. É diante desta provocação que o filme traz de uma forma bem clara, uma crítica realista a Ditadura Militar e seu modo de exploração.

A trajetória de Marighella é marcada pelo combate a Ditadura, certamente seus ideais ainda vivem em todos aqueles que lutam contra essas políticas de repressão e forças opressoras que visam uma sociedade cada vez mais injusta e alienada.

1 A imagem-afecção ou o primeiro-plano é um traço característico no cinema clássico. Essa técnica visa um enfoque no rosto dos atores e atrizes, estimulando nos telespectadores emoção com o que está sendo mostrado em tela.

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Tropa de Elite 1 (2007)

Sinopse: Em Tropa de Elite, o dia-a-dia do grupo de policiais e de um capitão do BOPE (Wagner Moura), que quer deixar a corporação e tenta encontrar um substituto para seu posto. Paralelamente, dois amigos de infância se tornam policiais e se destacam pela honestidade e honra ao realizar suas funções, se indignando com a corrupção existente no batalhão em que atuam. Fé em Deus DJ vamos lá!

Os filmes tropa de Elite são os melhores filmes nacionais já feitos. Seja pela sua História real, sua trilha sonora e seus personagens marcantes. O filme já começa com um funk - é importante lembrar que a criminalização do funk é um dos nossos temas que devem ser debatidos em nosso sistema atual. Para muitos, o funk é uma única pratica de lazer, e os bailes funks são usados com muita frequência para aglomerar durante a pandemia.

Vale ressaltar que a Caveira é sinônimo de respeito e honestidade, não é qualquer um que pode usar. No Filme vemos o capitão Nascimento combatendo o crime e buscando um substituto à altura para poder se aposentar. Não é fácil a sua vida, vemos como é desgastante e acompanhamos algumas discussões com a sua atual esposa.

O filme funciona (e como funciona!). Com uma mistura de comédia e ação, ficamos cada vez mais envolvidos em sua história, o enredo te prende até o final. Os bordões estão vivos na cabeça dos fãs até hoje, “Não vai subir ninguém “, “pede pra sair’’.

O filme tem uma classificação indicativa de 16 anos, foi lançado no ano de 2007 e gravado no Rio de Janeiro. O combate as drogas é um tema debatido no filme, é impressionante como o Brasil é um dos maiores Países consumidores de drogas… a corrupção policial ascende um sinal vermelho na Pátria verde e Amarela.

Um bom ponto para se destacar é a direção do Afonso Padilha, que vem desenvolvendo bons trabalhos, principalmente fora do Brasil. Wagner Moura entrega uma ótima atuação, sendo sério quando precisa, se tornou o verdadeiro capitão Nascimento.

Seja pela sua história ou pelo seu enredo, Tropa de Elite é incrível do começo ao fim. Não consigo entender por que nenhum de seus filmes foram vencedores do Oscar. Seja pelo conjunto da obra, Tropa de Elite diverte e cumpre tudo aquilo que promete. Missão dada é missão cumprida! Acompanhe a crítica do 2º filme a seguir e veja as colunas das outras pessoas que estão por aqui, Revista A-Sol está fazendo um trabalho Incrível.

Tropa de Elite 2 (2010)

Sinopse: Nascimento (Wagner Moura), agora coronel, foi afastado do BOPE por conta de uma mal sucedida operação. Desta forma, ele vai parar na inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Contudo, ele descobre que o sistema que tanto combate é mais podre do que imagina e que o buraco é bem mais embaixo. Seus problemas só aumentam, porque o filho, Rafael (Pedro Van Held), tornou-se adolescente, Rosane (Maria Ribeiro) não é mais sua esposa e seu arqui-inimigo, Fraga (Irandhir Santos), ocupa posição de destaque no seio de sua família.

Dessa vez o buraco é mais embaixo, muito mais embaixo… o filme chegou aos cinemas no ano de 2010 e infelizmente não terá continuação.

Recomendo que você veja o porquê de não haver o 3º filme na entrevista do José Padilha, diretor do filme.

O inimigo dessa vez é outro, literalmente outro, virou maior e muito mais forte. Vale destacar o ótimo trabalho seja dos atores, redatores e direção em geral. O filme começa tenso, em uma cena muito forte em um presidio de Segurança Máxima no Rio de Janeiro. O filme faz muitas críticas ao nosso sistema e mostra que temos muitos problemas a resolver.

Nesse exato momento está rolando a CPI da COVID 19, e no filme a CPI que acontece mostra os conflitos e interesses dos políticos em questão. E sim, é o melhor filme brasileiro já feito, difícil achar um filme Brasileiro que tenha criado tanto expectativa que tenha tanta repercussão em cenário Nacional. E infelizmente não venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro!

Apesar de fictício o filme retrata bem o nosso cenário atual com críticas a polícia do Rio de Janeiro, corrupção, mostra que muita gente podia fazer alguma coisa e acaba não fazendo nada, o filme mostra que o problema, é o nosso sistema atual, o enredo te prende até o fim, simplesmente espetacular. “Quem você acha que sustenta tudo isso? E custa caro muito caro, o sistema é foda ainda vai morrer muita gente inocente.’’

O filme também mostra como muitas pessoas não fazem nada por motivos de conformismo e medo de sair da zona de conforto. E ainda temos um problema maior ainda, a idolatria por pessoas e não ideias, como por exemplo: Bolsonaro falar que tem que dar para a população Cloroquina, as pessoas que idolatram, preferem acreditar nele do que na ciência.

Cidade de Deus

Uma galinha foge do abate, mas calma, não contaremos a história dela ainda.

Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, é o marco do fim do Cinema de Retomada, período que perdurou entre os anos de 1995 e 2002, surgindo após a estagnação temporária do cinema nacional por falta de verbas e incentivo.

Uma das causas do boom cinematográfico brasileiro foi a criação do Plano Real em 1994, com a equivalência entre dólar e real, foi possível adquirir novos equipamentos, pensar em produções mais elaboradas, com maior investimento técnico em fotografia, direção de arte, entre outros aspectos. O Brasil visava o Oscar e não é à toa que Cidade de Deus concorreu à quatro categorias da cerimônia, sendo essas: Melhor Diretor, Melhor Fotografia, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Edição. Além disso, em 1991 foi criada a Lei Rouanet, ou Lei de Incentivo à Cultura, pelo então secretário da Cultura, Sérgio Paulo Rouanet. Portanto, a cultura renascia.

Com o “Renascimento Brasileiro” quanto a Sétima Arte, foram produzidas obras que são exaltadas e relembradas pela crítica mesmo nos dias atuais, sendo algumas delas: Central do Brasil, Bicho de Sete Cabeças, Carlota Joaquina, Cidade de Deus e outras.

Voltando ao filme Cidade de Deus, contaremos a história da galinha.

O filme se inicia com a ave assustada e fugindo do abate, após presenciar suas iguais sendo depenadas e mortas. Essa cena é uma representação clara dos personagens que querem fugir do destino imposto pela Cidade de Deus, vista como geratriz de assassinos, ladrões e traficantes.

A Cidade de Deus, assim como Bacurau, de Kléber Mendonça, ou a obra literária O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, tem como personagem principal o cenário que acompanha as histórias de seus habitantes e é palco de um ciclo de violência que se repete continuamente.

O complexo habitacional em 1960 é mostrado deliberadamente com cores quentes, como uma visão nostálgica daquele passado. No entanto, a Cidade de Deus já demonstrava sinais de sucateamento junto com os seus habitantes, que não dispunham de serviços básicos de saneamento e eletricidade. Neste mesmo período havia um trio de ladrões amadores nomeado de “Trio Ternura”, os três realizavam assaltos e dividiam o saqueamento com a população, sendo assim admirados e protegidos por eles. Um dos admiradores do trio era Dadinho, uma criança que desde cedo insistia para participar dos assaltos e fazer parte do grupo, posteriormente virando o maior traficante da região, mudando o seu nome para Zé Pequeno.

Depois de um grande assalto a um hotel, seguido de um assassinato em massa provocado por Dadinho, a polícia passou a frequentar a comunidade, em busca do culpado pelas mortes. O trio se desfez, sendo que dois deles foram mortos ao tentarem fugir da Cidade de Deus.

Essa é a introdução do filme, acompanhamos outras histórias de galinhas que tentam escapar do destino traçado pela Cidade de Deus, mas todas as aves que buscam outra vida, são assassinadas por bala perdida e encontrada, pois galinhas não podem voar. A Cidade de Deus é uma história real, uma história como a de outras favelas do Rio. Com pessoas presas em Cidades de Deus que apesar do nome paradisíaco, são purgatórios.

Cidade de Deus é um filme que vivenciamos através de fotografias, acompanhamos as histórias que são narradas por Buscapé e sua câmera, olhamos recortes de realidades, assim como vemos as fotografias do noticiário que nos diz sobre os assassinados em Jacarezinho, o nome real dessas pessoas não é dito, elas recebem apelidos e são desumanizadas, convertidas em objetos.

Luka Oliveira. Estudante de Filosofia, pesquisador de Filosofia e Cinema pelo GECEF. Professor voluntário no Cursinho Comunitário A-Sol.

Thiago Alves, estuda programação e faz parte do A-Sol desde março de 2020.

Caroline Locatelli, apaixonada por livros e cinema, amante do ínfimo ao infinito.