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"As maiores vítimas do desequilíbrio ambiental sem dúvidas serão os mais empobrecidos"
Por Walter Bolitto
O processo de exploração no Brasil surge com a política colonial do século XVI, onde o Brasil fornecia suas riquezas naturais para a Europa, através da exploração dos povos indígenas e dos africanos recém-escravizados. No século XXI, mesmo com o conhecimento científico sobre a necessidade de proteção do meio ambiente, a exploração desenfreada é a forma do capitalismo sobreviver as suas constantes crises, mantendo assim a dominância da classe dominante sobre a classe trabalhadora e sobre a biodiversidade. Em Guarulhos, vemos como a classe empresarial burguesa esteve sempre presente na vida política da cidade, e como a criação de leis que dizem respeito ao meio ambiente são criadas e aplicadas com pouca transparência e participação popular em decisões que dizem repeito a todos os guarulhenses.
Entrevistamos Jefferson Silva, do Movimento Cabuçu é o Pulmão, e Elaine Malasartes, doutoranda em Geografia pela UFRJ, para saber mais sobre o que vem acontecendo na política ambiental de Guarulhos e do Brasil, e onde devemos ficar atento aos avanços do capital na destruição ambiental.
Walter: A PL 3.729 de 2004, referente ao novo licenciamento ambiental, já foi votada na Câmara dos Deputados e está indo para o Senado, e vem sendo apontada como mais danosa que outros projetos de leis aprovados pelo lobby de latifundiários e mineradoras. Qual o impacto desta PL se for aprovada no Senado?
Jefferson e Elaine: A partir das questões colocadas, muito do conteúdo ali aprovado pela Câmara e enviada ao senado é reflexo da conjuntura em que vivemos a partir das suas categorias: atores, cenários, correlações de forças, interesses…
Evidente que diante dos acontecimentos e formação de um legislativo majoritariamente conservador e com visão predominante do capital “liberal” não iria aprovar uma lei que protege a natureza e a classe trabalhadora.
Após 17 anos de tramitação, chegou-se a um texto em que os órgãos de controle e governança sofrem um desmonte e uma deliberada ação de desmantelamento da política ambiental e seus princípios constitucionais. Não obstante a isto, coloca-se como relator um sujeito totalmente comprometido com o agronegócio e o texto é fechado nos gabinetes sem a participação de ambientalistas, sociedade, num contexto de pleno desmonte do Conama.
O que foi aprovado na câmara busca uma desregulamentação com um discurso de desburocratização tão afável ao cidadão médio nos tempos atuais. Se aprovado pelo senado e sancionado pelo presidente pode provocar “um tiro no pé” com a insegurança jurídica e uma verdadeira guerra ambiental entre os entes federados dotando - os de liberdade legal nas questões ambientais.
Outros aspectos pautados na proposta de mudança de legislação ambiental são o licenciamento por compromisso ou adesão, a ampliação de atividades isentas de licenciamento ambiental e a volta do retrogrado Instituto de Obras e Empreendimentos de Interesse Social e Utilidade Pública, tão questionado na aprovação do código florestal e julgado pelo Supremo Federal como inconstitucional para algumas atividades, empreendimentos e obras. Instituto esse tão desejado por algumas empresas para liberação de suas obras, a exemplo do Novo Aterro CDR Pedreira no Cabuçu, pertencente à empresa francesa Veolia .
Há uma clara intenção de acabar com o controle social e as resoluções CONAMA. Obras ditas de “utilidade pública e interesse social”, contraditoriamente com enorme potencial de impacto socioambiental, serão liberadas de licenciamento ambiental mediante pequenas e frágeis condicionantes.
Paramos por aqui para adentrarmos em outras questões já que o tópico necessitaria de enorme espaço.
O que se passa no plano nacional nada muda no estadual se considerarmos que até a pouco tempo o secretário do meio ambiente é o atual ministro contra o meio ambiente, Ricardo Salles. Algo que não podemos duvidar do mesmo é sua coragem e competência para agir contra o ambiente. Colaborou bastante para a destruição do Conselho Estadual do Meio Ambiente que já não tinha uma boa composição. Atuou no cumprimento do arcabouço jurídico que permitiu passar aos municípios parte significativa do licenciamento ambiental sem dotar os mesmos de estrutura de pessoal, de equipamentos e de mecanismos de controle e governança contra as pressões políticas de grupos e empresas com interesses econômicos.
Ricardo Salles deixou a Cetesb bastante sucateada e vulnerável aos interesses econômicos. Encaminhou o desmonte de órgãos de gestão de Unidades de Conservação para posteriormente colocá-las a disposição da privatização e aos interesses do mercado.
A estrutura de poder que dirige o estado de São Paulo ha quase 30 anos nada avançou na questão ambiental. A exemplo da mudança de papel da Emplasa que reunia um acervo rico com mapas, imagens, dados sobre os territórios fundamentais para o desenvolvimento de quaisquer políticas públicas de cidade, região metropolitana entre outras. As prefeituras não reúnem condições de levantar dados para o diagnóstico, orientação e direcionamento das políticas públicas.
Finalmente chegamos ao município onde o licenciamento não passaria por uma auditoria do ministério público ou qualquer outro órgão de controle. Costumamos chamar a cidade de Guarulhos de um “mini Brasil elevado ao cubo”. Os fatos me levam a essa conclusão.
Aqui as leis fundamentais para direcionar e estruturar o desenvolvimento da cidade rumo a reforma urbana popular foram todas deturpadas, longe do debate democrático e beneficiou uma casta que construiu seu patrimônio pela “aquisição” de propriedades sem qualquer transparência, a exemplo das capitanias hereditárias, sesmaria entre outros artifícios que configuram a estrutura agrária do país.
Essa casta, a exemplo da elite nacional, não tem qualquer projeto de nação, estado, cidade. Acaba por se aliar a interesses estrangeiros e assim garantem seu quinhão. Aqui se alia a especulação e mercado imobiliário e pensam apenas em extrair a mais valia em maior quantidade e menor tempo possível, verdadeiro saque e dane-se a cidade.
Walter: Apesar do avanço da luta pelo Meio Ambiente nos últimos 10 anos, vemos no presente momento não só o poder executivo e legislativo na esfera federal afrouxando a legislação ambiental, com grande impacto em nossos biomas com mais diversidade de fauna e flora, mas a mesma estratégia vem sendo adotada nos estados e municípios. Como vocês enxergam isso em Guarulhos e no Estado de São Paulo?
Jefferson e Elaine: Claro que não podemos ser ingênuos em achar que se reúnem em torno de uma mesa e traçam estratégias. Não, isso se dá em cima da soma de seus interesses egoísta, interesseiros privados.
Não devemos vislumbrar uma cidade melhor e socioambientalmente justa com a aprovação de péssimas leis e pareceres que ocorreram de forma arbitrária, tal como foi feito com plano diretor, zoneamento, reurb e o parecer favorável à construção de um aterro de empresa francesa privada em unidade de conservação, limítrofe ao parque estadual da Cantareira, contrariando o interesse da população, a legislação ambiental, a exemplo da lei municipal que criou a APA Cabuçu Tanque Grande.
Sem esquecer a recente aprovação de quase 500 milhões de divida junto ao banco andino para fazer a obra no Rio Baquirivu de competência e projeto do estado e assumido pela prefeitura sem qualquer discussões de prioridades e muito menos de projeto com enormes impactos sócio ambiental.
Contudo, o estado colabora em prejudicar a cidade com obras de grande impacto socioambiental como rodoanel, ferroanel etc. O município e munícipe passa ao largo dos debates e de fala nas audiências públicas e conversas institucionais.
Walter: Vendo como a classe dominante manipula as leis ambientais a seu favor, e o impacto disso na classe trabalhadora e no Meio Ambiente, como é possível ao povo reagir em defesa dos seus territórios e da riqueza natural ao seu redor?
Jefferson e Elaine: O nosso controle social é ineficiente considerando a composição e a legislação que institui o Conselho Municipal do Meio Ambiente. Hoje a pauta se resume basicamente na deliberação de recursos do fundanbiental para atividades do governo. Qualquer solicitação de debate, explicações sobre assuntos e temas fundamentais como os mencionados acima são protelados e empurrados com a “barriga” .
Podemos falar com certeza que hoje estamos como uma pessoa tentando apagar o fogo com um balde de água em meio a floresta seca pegando fogo e um sujeito com lançador de fogo incendiando atrás.
É com muita tristeza como poucos se atentam para a situação dramática. Ao perder a oportunidade de avançar nestas legislações nossa concepção e esperança de cidade mais dócil, saudável, funcional, justa socioambientalmente, humana, foi postergada.
Instrumentos urbanístico, financeiro, controle foram perdidos ou estão sendo mal regulamentados. Uma pena.
Costumo brincar que se o primeiro governo municipal foi ruim, o segundo, com toda essas leis aprovadas ou vias de aprovar e regulamentar coloca em suas mãos a chance de fazer um governo prejudicial à cidade, meio ambiente e as pessoas em geral e as mais vulneráveis em especial. E pior com aparência de estar fazendo um governo melhor.
Já que o espaço e exíguo para esgotar todo o pensamento vou me dirigir para o término respondendo a questão: como a classe trabalhadora pode reagir a esse avanço nefasto desta classe dominante? Acreditamos muito na questão da percepção da justiça ambiental que nos remete que as maiores vítimas do desequilíbrio ambiental sem dúvidas serão os mais empobrecidos, como diziam, pobre é uma condição imposta e não algo congênito e quem a impõe e justamente a classe dominante e seus asseclas e seu modelo econômico social.
É a classe trabalhadora que mais sofre o impacto pois terá de ocupar áreas ambientalmente frágil (encosta, à margem de rios, etc.), pois um sistema excludente provocado pela especulação imobiliária que gentrifica a cidade e o empurra para essas áreas. São os bairros populares ou ambientalmente frágil que vão receber grandes obras, empreendimentos poluidores. É ela que vai ser obrigada a trabalhar em plena pandemia causada por um desequilíbrio ambiental e sem condições de cumprir uma quarentena pois lhe falta qualquer amparo ou assistência social emergencial governamental. É ela que vive sem água potável, tratamento de esgoto um ambiente equilibrado.
Somente o despertar dessa consciência e a compreensão de que o social e ambiental estão interligado e não será possível resolver um sem o outro e que seus efeitos o afeta diretamente e que podemos pensar em algum avanço ou construção de um pensamento crítico que o leve a indignar-se e agir e exerce o papel de cidadão.
Acreditamos no longo caminho a percorrer mas é preciso caminhar. Também é claro que um país de tamanha desigualdade e necessitado a corrida pela próxima refeição e uma vitória fica mais difícil esse trabalho.
Vamos pensar juntos uma solução, pequenas iniciativas estão sendo tomadas, estamos caminhando e o ideal é fundamental para nos ajudar a caminhar. Obrigado pela oportunidade e nos encontraremos nas lutas!!!!