“O Brasil já poderia estar com a vacina própria, desenvolvida aqui.”, entrevista com Carlos Derman, ex-secretário da saúde em Guarulhos

Por Walter Bolitto

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Nascido em 1952, Carlos Derman é um veterano da militância da esquerda guarulhense, com formação em Química e Direito. Sua militância começa com os protestos de 1967 e 1968 contra a ditadura enquanto estudante secundarista, quando passa a atuar na clandestinidade com o fechamento do regime.
Com o aumento da repressão e perseguição aos partidos políticos, Derman vai para o Chile, onde vivencia o golpe militar contra Salvador Allende, partindo para o México e depois para Cuba, onde se forma químico, retornando ao Brasil com a Lei da Anistia em 1979.
Durante a década de 80, trabalha em indústrias químicas e metalúrgicas, onde seguiu atuando na luta dos trabalhadores, destacando seu papel como candidato à Diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos, na chapa da Oposição Metalúrgica e da greve em 1984 na Indústria Níquel Tocantins, em São Paulo, do grupo Votorantim.

Os ciclos de greves que ocorreram por todo o Brasil no final dos anos 70 desembocou na fundação do Partido dos Trabalhadores, que juntou operários, intelectuais de esquerda, militantes socialistas e esquerda católica, tornando-se rapidamente o maior partido de massas do Brasil. Derman participou do PT desde sua fundação, sendo presidente do partido nos anos de 1989 e 1990 em Guarulhos, e atuando como vereador da cidade entre 1989 e 1992, além de ter sido candidato à prefeitura pelo partido em 1996.
Com a vitória de Elói Pietá e do PT nas eleições de 2000 e com a promessa do partido transformar a cidade, Derman assume a presidência da Proguaru de 2001 a 2008 e atua como vice-prefeito e Secretário de Saúde em Guarulhos de 2009 a 2016, onde é lembrado e reconhecido até os dias de hoje pelos trabalhadores da Proguaru e da Secretaria da Saúde pelo excelente trabalho como gestor e pela simplicidade enquanto exercia estes cargos estratégicos, na contramão do comportamento observado pelos membros da oligarquia guarulhense.
A derrota do PT nas eleições de 2016 foi um golpe ao povo guarulhense, onde a oligarquia guarulhense de volta ao poder realizou um desmonte nas políticas criadas nos últimos 16 anos, e se mostrou incapaz de lidar com as crises políticas e sanitárias que se seguiram.
Realizada em meio a pandemia, Carlos Derman é entrevistado sobre a crise sanitária que o povo brasileiro encara, e nos explica sobre a importância das políticas públicas para salvar vidas.

Walter: Nos últimos anos, vimos retrocessos na esfera nacional, estadual e municipal nas políticas de saúde, onde grupos passaram a tratar a saúde pública como negócio. Você acredita que o desastre dessa política adotada no período de pandemia pode mudar a visão da população sobre políticas públicas? Em especial quando pensamos no tema da saúde.

Carlos: Penso que sim. Todos estão vendo a importância do SUS. Mesmo com o desmonte feito a partir do golpe contra a Dilma, o SUS tem conseguido salvar centenas de milhares de pessoas… As pessoas também percebem a importância de investir mais recursos na saúde. E estão valorizando os profissionais de saúde. Outro aspecto importante é a necessidade da pesquisa em saúde. O Brasil já poderia estar com a vacina própria, desenvolvida aqui.
Tem cientistas e tem “know how” para isso. O que não teve foi investimento em pesquisa nos últimos anos. Mas mesmo assim o Butantã e Manguinhos estão produzindo as vacinas desenvolvidas em outros países, e grande parte da população tomou consciência da importância desses institutos.

Walter: Desde a entrada do Pazuello, podemos observar a entrada em massa dos militares na Saúde, após a saída do Teich e de sua equipe de empresários da saúde privada. Como você avalia esta decisão dos setores militares centralizarem para si uma área estratégica durante a crise política e sanitária que estamos vivendo?

Carlos: Houve um desmonte total no Ministério da Saúde. Saíram técnicos de enorme competência, muitos deles inclusive estavam lá ainda antes dos governos do PT. E o resultado está aí, a tragédia de Manaus, o tratamento com Cloroquina e outras sandices. Os próprios militares já devem estar percebendo que entraram numa fria, e estão procurando sair… Mas o estrago está feito!

Walter: Comparado à crise sanitária que vivenciamos no Brasil, alguns países do Sul Global como China, Vietnã, Nova Zelândia e Cuba encontraram melhores estratégias para combater a pandemia em comparação aos países europeus. Ao que você atribui o sucesso das políticas adotadas nesses países?

Carlos: Os países que foram menos afetados pela COVID adotaram as seguintes medidas: isolamento social, evitando ao máximo a transmissão; testagem de todos os casos suspeitos e de todos os que tiveram contato com esses casos suspeitos; monitoramento rígido dos infectados e de todos os que tiveram contato com eles; e ajuda econômica para os que tiverem dificuldades, em função das regras de isolamento, para garantir o seu sustento. Simples assim…
Acompanho o caso de Cuba. Qualquer pessoa que chegue a Cuba, tem que ficar em quarentena. Faz um teste (PCR) logo que chega e outro uma semana depois. Toda a população respeita as regras do isolamento social, e inclusive, em cada bairro, a própria organização da população (CDR – Comitê de Defesa da Revolução) fiscaliza o cumprimento das regras.

Walter: No momento estamos encarando a segunda onda da pandemia, e dessa vez não só os hospitais públicos estão lotados, mas vemos agora o mesmo acontecendo nos privados. Considerando que agora a classe média e a classe alta não possuem mais garantia total de atendimento com os convênios particulares, em comparação a população pobre, que muitas vezes tem dificuldade em encontrar leitos desde o começo da primeira onda, você acredita que isso pode impactar nas decisões políticas do próximo período?

Carlos: Acho incrível como, apesar de tudo isso, o Bolsonaro ainda conserva o apoio de quase 30% da população… Mas esse apoio está diminuindo, inclusive entre os setores privilegiados. Noto que ele está tentando agora mudar o discurso, mas acho que é tarde. Tenho a impressão que a Direita deve apostar em outra figura.