O que a ideologia lava-jatista esconde

Por José Ricardo Satilio da Silva

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O Brasil é um país considerado subdesenvolvido, mas o que muitos esquecem é o fato de que, no mundo capitalista, essa ideia de subdesenvolvimento a qual, por sua vez, traz em si uma ideia de possibilidade de desenvolvimento, é, em verdade, um dado objetivo da própria organização do capital em esfera mundial.

Isto é, o capitalismo se organizou desta maneira, assim o que parece uma falha no estabelecimento da democracia capitalista liberal na América Latina, na verdade é exatamente o modo pelo qual se arquitetou a sociedades subalternizadas que serviriam de sustentação para o Welfare States (Estado de bem estar social) dos países, assim chamados, desenvolvidos.

Há de se ressaltar que durante a passagem do fordismo para o pós-fordismo (neoliberalismo), sendo este uma fase do capital financeiro especulativo, ou seja, a geração de valor migra da produção para a especulação do mercado financeiro, bem como a desregulamentação do trabalho, precarização das condições de vida e o desmonte do estado previdente (o estabelecimento Estado mínimo); e aquele uma outra fase do capitalismo, na qual havia um Estado democrático de direito que garantia a exploração da força de trabalho, porém com uma presença maior do Estado regulamentando as relações sociais, inclusive com garantias fundamentais e sociais; houve um esmagamento da classe trabalhadora.

Deixa-se claro, porém, que o capitalismo é ruim sob qualquer aspecto seja no fordismo, seja no neoliberalismo, pois a valorização do valor e suas formas sociais constroem sociabilidades naturalmente desiguais, ou seja, não existe capitalismo com igualdade, uma vez que a própria construção do sistema se deu num contexto de imperialismo, colonialismo, morte, invasão, exploração, racismo e machismo, isto é, todas essas formas foram necessárias para se estabelecer o sistema, no qual o homem (atenção ao gênero) branco, europeu e/ou estadunidense, cis, hetero reinasse absoluto.

De tal sorte que a democracia liberal é apenas uma ilusão burguesa, forjada sob a forma da ideologia que, por seu turno, compõem o imaginário social, ou seja, constitui o inconsciente da sociedade, ato contínuo as relações concretas dão-se apenas e tão somente dentro dessas formas estruturais e, ao fim e ao cabo, o capitalismo é essencialmente excludente, antagônico e permeado por crises, aliás crises que são necessárias para a acumulação do valor (vide a pandemia em que se aumentou o número de bilionários e acirrou-se a desigualdades entre ricos e pobres. Não, a pandemia não é uma invenção, ela é um fato concreto, mas toda e qualquer crise cabe na esteira da mercadoria e é utilizada para a acumulação). Ademais, o capitalismo não se envergonha de deixar para trás a República de Weimar e migrar para o nazismo, de se enamorar com o fascismo desde que seja possível acumular e reproduzir as condições da produção de mercadorias, bem como da valorização do valor.

Ou seja, a solução não é o combate à corrupção, mas sim uma nova forma de sociabilidade orientada para atender as necessidades humanas e não para a acumulação de capital, isto é, a desconstrução de todas as formas sociais do capital, trazendo-o à bancarrota e o próprio capitalismo e construir em seu lugar o futuro e a esperança como disse Ernst Bloch, aquilo que ainda não veio, mas virá. O sonho diurno que é o sonho da ação, das energias revolucionárias, do eros (eros, aqui, pode ser tomado como desejo e como vínculo, isto é, aquilo que nos une) e não o sonho noturno que é o sonho do lamento, dos traumas que nos travam e nos impedem de agir e apenas nos fazem lamentar.

É preciso, pois, sonhar o sonho do meio dia como disse Nietzsche e agir às claras em busca de uma nova sociabilidade. Sociabilidade fraterna, igual e justa, na qual será: De cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades.

Pois bem, está dado o horizonte. O capitalismo é o mal e o socialismo é a solução, no entanto, neste artigo, dignarei-me a falar das fantasias burguesas e demonstrar como elas, no Brasil, não aconteceram, bem como o alto grau de reacionarismo e juspotivismo de nossa sociedade, pois ao menor sinal de que os direitos constitucionais serão entregues a horda conservadora começa a bradar por meritocracia, mercado, mão invisível, liberalismo e Estado mínimo.

BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE JUSPOTIVISMO E REACIONARISMO.

Contemporaneamente, há, na dicção de Alysson Leandro Mascaro – professor livre docente da faculdade de direito da USP –, três formas de pensarmos a filosofia do direito, os chamados três caminhos.

São eles: os juspositivistas, os não-juspositivistas e os críticos.

Os primeiros são aqueles que apostam na norma posta, ou seja, a lei determinada pelo Estado, a qual deve ser seguida não importando seu conteúdo. Assim, se hoje aceita-se o casamento homoafetivo eles irão ratificá-lo, no entanto em amanhã não sendo aceito tal forma de matrimônio eles tão logo dirão sê-la ilegal.

Eles, os juspositivistas, são liberais e apostam no tempo presente. O afeto que os move é a indiferença, dado que qualquer coisa que tenha por status a legalidade conferida pelo Estado, será válida não importando o conteúdo proposto. É o que acontece no Brasil, quando se vê a olhos nus reforma trabalhista, previdenciária, decreto desapropriando quilombolas e indígenas.

Já os não-juspositivistas são aqueles que se apoiam no passado, que entendem que não há legalidade a qual resista ao mando do poder, e este é quem determina a configuração das relações sociais. Eles têm por afeto o ódio e lutam contra qualquer condição mais progressista, haja vista quem clame por AI-5, ditadura entre outras coisas passadiças.

E os últimos são os críticos, os quais têm por horizonte a transformação social, o afeto que os constitui é a esperança. Estes propugnam por uma sociabilidade nova que jamais foi construída em nossa história. Eles lutam pelo fim do capitalismo e suas formas como Direito, Estado e Mercadoria, ou seja, uma mudança por via da revolução e não apenas pela mera reforma, isto é, enfeites ao capitalismo que na primeira oportunidade os lança fora e retorna com o fascismo tão comum para garantir a acumulação.

A LAVA JATO SOB O OLHAR LIBERAL RACIONAL.

É verdade que o capitalismo determina em última instância o que ocorre nas sociedades capitalistas. Contudo, há uma série de sobredeterminações no seio da sociabilidade que também exercem um papel na organização social.

De tal sorte que, no Brasil, as relações são permeadas pela troca de favor, pela falta de imparcialidade. O que, por sua vez, concentra o capital nas mãos de pouquíssimos e produz uma classe média pauperizada. Ressalta-se, entretanto, que mesmo no capitalismo de bem estar social a coisa é perversa, apenas os seus efeitos recaem com maior força na periferia do capital.

Em suma o sistema de acumulação de capitais é horrível em todas as suas faces.

Mas partindo do pressuposto de que haja uma forma de organizar o capitalismo com excelência, a qual o Brasil ainda não alcançou, analisemos o nosso combate à corrupção.

Tal combate devia ser feito, diz Walfrido Warde, alicerçado em 4 pilares, quais sejam:

1. Determinação do âmbito da delinquência;

2.Detecção da delinquência;

3. Sistemas de punições;

4. vias de abrandamento calculado de punições e de incentivo à colaboração (leniência).

Os quatro devem ser fortes e bem construídos, sob pena de ruir a estrutura, com consequências desastrosas.

Aqui, ainda no governo Dilma, apareceu Lei 12.850 (Lei de Organização criminosa- delação premiada) e n° 12.846 (Lei anticorrupção- leniência) que determinaram uma revolução no aparelhamento do Estado no que tange os dois primeiros pilares.

Tais leis concederam a polícia (Polícia Federal sobretudo) e ao Ministério Público (MP) um lastro de ação maior em coletas de provas nunca antes vista.

Para o imaginário punitivista foi a panacéia perdida, mas tanto poder sem controle trouxe um desequilíbrio no combate à corrupção, de tal sorte utilizaram-se desses poderes da forma que quiseram.

Ademais, não há uma delimitação objetiva do crime de corrupção o que, por seu turno, traz uma subjetividade do agente que julga e, no mais das vezes, desemboca em viés ideológico para caçar inimigos políticos.

No Brasil, proibiram o financiamento de campanha por empresas, contudo abriu -se a possibilidade de financiamento de pessoa física o que no fim de contas dá-se a mesma coisa, dado a disparidade econômica quem financia campanha são os grandes empresários, mas dessa vez em nome próprio e não de suas empresas.

Nada de efeito se viu, uma vez que se reúnem grupos de interesse e formam as chamadas bancadas, as quais investem dinheiro em seus candidatos e exercem o lobby pré e pós eleitoral.

O que de fato acontece por aqui é um falso moralismo na medida em que sob perspectiva de combate à corrupção criam-na mais.

Não há uma legalização dos financiamentos com uma legislação esclarecedora, com fiscalização transparente, tampouco com limitação dos aportes.

Como se não houvesse interesse das tais bancadas, elas fazem “doações” de campanhas por puro prazer? Óbvio que não, o capital faz negócio para se reproduzir e expandir-se, portanto, é necessária uma delimitação estrita do que pode e do que não pode.

Porém, com a possibilidade de acordos de delação, leniência, isto é, de colaboração nas investigações para se evitar a destruição do capitalismo nacional.

O fato é que apenas o aumento da punição sem controle, bem como a falta de organização colocou o combate na esteira do caso a caso, da subjetividade dos agentes e isso acabou em perseguição política e golpe.

Resta claro numa análise pragmatista do capital que, no Brasil, a democracia, o Estado democrático de direito, enfim os marcos civilizatórios tão prometidos pelo capitalismo não se estabeleceram. Tem-se por aqui uma verdadeira barbárie.

ALGUNS NÚMEROS DA DESTRUIÇÃO LAVA-JATISTA.

O tal combate desordenado à corrupção deixa rastros pelo caminho, por exemplo, o número de empregos e empresas que se destruiu.

Talvez se o combate fosse objetivo e não subjetivo moralista pudessem diluir a corrupção e ainda preservar os empregos, as empresas, enfim o capitalismo nacional.

Primeiro ressaltamos a insuficiência preventiva da pena e do combate à corrupção punitivista midiático, pois dos 20 presos pela operação em 2015 apenas 9 continuavam presos em 2017 (o que denuncia um benefício de classe porque a maioria são empresários e/ou políticos ricos, pois os pobres presos na “guerra às drogas “ ficam na cadeia por um tempo maior, que o diga Rafael Braga Vieira preso por carregar numa manifestação desinfetante e cândida), ademais 19 dos 20 em 2018, todos livres obviamente, disputaram as eleições em algum cargo.

Pois é, só aqui já fica evidente o caráter espetacular no sentido midiático da palavra, pois uma ação combativa subjetiva, moralista, sem critérios objetivos bem definidos, sem acordos de recuperação, ou seja, em vez de criminalizar toda a situação seria melhor trazê-la para o campo da legalidade com dura fiscalização e combate, porém no sentido que garanta um mercado interno forte, isto é, preservando empregos, empresas e o capitalismo interno.

Para além disso, a queda no produto interno bruto do país foi alarmante, ficando na casa de 187, 2 bi equivalente a 3/4% do PIB nacional enquanto se esperava uma recuperação de 11,5 bi uma proporção irrisória.

A massa de desemprego também aumentou, por exemplo, em 2013 o número de funcionários empregados na construção civil (setor duramente atacado) era de 1.059.911 já em 2016 nesse mesmo setor havia 468.000 uma queda vertiginosa.

Foi uma destruição imensa tudo a toque de caixa e com o moralismo presente, pois as empresas se fossem depuradas, isto é, trocassem os administradores continuariam exercendo sua função no mercado, bem como gerando empregos.

Um maior controle externo, ou seja, estatal nas empresas, bem como a descentralização do controle entre os acionistas, uma vez que há um certo totalitarismo, pois quem tem a maioria das ações exerce sozinho monopolizando tal controle, assim decorre um controle ineficiente e enviesado.

Enfim, traços de um capitalismo primitivo e atrasado que, segundo a perspectiva liberal, vigora por aqui.

MORO E SUAS PERIPÉCIAS.

O ex-ministro, à época juiz, fez o que quis com a lei e toda a comunidade jurídica calou-se ou grande parte.

Moro, fez condução coercitiva sem necessidade, isto é, quando da intimação de um réu este se negar a comparecer, pode o juiz pedir sua condução coercitiva, porém ele, o juiz, fê-la com o ex-presidente Lula sem antes o ter intimado.

O “supermoro” como foi chamado, violou prerrogativa de foro, isto é, a possibilidade que alguns têm de serem julgados pelo STF, por exemplo, absorveu competência, violou princípios tais como do juiz natural foi uma farra.

Ele rasgou a constituição e código de processo Civil na cara da sociedade e nada, absolutamente nada foi feito.

Tudo a pretexto de punir e salvar o país, mas o que se viu foi um desmonte das pequenas garantias sociais existentes o que culminou na eleição desse que nos (des)governa de quem Sérgio Moro foi ministro da justiça um escárnio.

CONCLUSÃO

Neste ensaio, tentei demonstrar como nossa sociedade é reacionária, porque fiz uma análise sob uma ótica liberal (fugindo do meu referencial teórico, o marxismo) para demonstrar que nem o liberalismo que muitos inflam o peito para gritar, não existe por aqui, pelo menos, não em seu sentido civilizatório.

Há uma senha persecutória contra o comunismo, porém é tamanha a reação que perseguem, sob a aparência de comunismo, a social democracia, o estado de bem estar, o Estado democrático de direito o que, por sua vez, prova-nos quão reacionária é a nossa sociedade, pois o menos sinal de combate às desigualdades reagem ferozmente.

Somos uma sociedade que se agrada das desigualdades, que naturaliza a ineficiência estatal, ou seja, a total ausência dos entes estatais nas periferias. Onde só chega o braço repressor por meio de polícia e exército, portanto tem-se um Estado policialesco muito distante das tão propagandas experiências nórdicas, por exemplo.

Ou seja, nossa burguesia é ignorante, atrasada e anda sempre na contramão, mas isso não é uma falha de cárater, não é um erro institucional é, em verdade, o funcionamento perfeito do capitalismo e suas formas, pois o capital é atravessado por contradições, por isso não entendemos como pode haver democracia na Noruega e não existe no Brasil, não com a mesma qualidade.

Mas isso se dá porque o capital assim o quer, uma vez que o sistema foi criado a partir do centro para a periferia. E lógica que vigora nas periferias do capital é a da barbárie, portanto as formas sociais do capital Estado e direito, por exemplo, existem apenas para absorver toda essa contradição no seio da sociabilidade e garantir as condições de reprodução da produção capitalista.

Portanto, por mais que fique provado, ainda que por via liberal, nosso atraso por dentro do próprio capitalismo isso não é um alento.

Porque só sairemos dessa situação quando se chegar ao fim esta organização macabra baseada na mercadoria e na propriedade privada, quando pudermos chamar uns aos outros de irmãos e comermos no mesmo prato, isto é, irmos em direção ao que defendeu Platão, a família universal para tanto há um caminho, a revolução, faça-mo-la!!!