Por que temem Paulo Freire?

Por Rebeca Assis

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Esse ano comemoramos o centenário de um dos intelectuais mais brilhantes do país, um professor e educador consagrado no mundo inteiro, um dos brasileiros mais universais: Paulo Reglus Neves Freire. Patrono da educação no Brasil, o educador, pedagogo e filósofo é reconhecido mundialmente, mas no país em que nasceu ainda é alvo de resistência e fake news. Mas a sua importância para o debate educacional é inegável. Paulo Freire é o brasileiro mais homenageado no mundo. Ele tem 29 títulos de Doutor Honoris Causa dado por universidades da Europa e da América, além de vários outros prêmios, como o Educação pela Paz, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura (Unesco). O educador ainda é o terceiro pensador mais citado do mundo em universidades da área de humanas, de acordo com levantamento da London School of Economics.

Quem nunca abriu um de seus livros, lidos e debatidos nas principais universidades do mundo, como uma referência no campo da filosofia da educação, reduz o seu pensamento a uma manifestação do comunismo, quando não demonizam e colocam como uma fórmula para destruir as famílias.

Paulo Freire foi o primeiro a pensar em um método educacional voltado para a realidade brasileira. Em 1963, o educador aplicou seu método em Angicos, cidade do interior do Rio Grande do Norte. O projeto conseguiu alfabetizar 300 adultos em apenas 45 dias. Naquela altura, o Brasil tinha mais de 40% da população totalmente analfabeta. A proposta de Paulo Freire era considerar o conhecimento que aquelas pessoas tinham na hora de ensiná-las a ler e escrever.

O trabalho de Paulo Freire, porém, foi interrompido em 1964 pela ditadura militar, que acreditava que o método poderia incentivar revoltas populares. O educador ficou preso por 72 dias e passou 16 anos em exílio, onde continuou a se dedicar a sua obra. Paulo Freire lançou mais de 30 livros.

As classes dominantes brasileiras, que patrocinaram o golpe civil-militar de 1964, que o prendeu e o obrigou a ir para o exílio, temiam Paulo Freire por ele propagar a ideia de que a educação deve ser um ato de formação cidadã, de formação da consciência por parte dos explorados e oprimidos. Para essas classes retirar os pobres da ignorância e da alienação é o grande pecado da pedagogia crítica, desenvolvida por Paulo Freire.

Quem explora e oprime não quer ver seus trabalhadores ter acesso a uma educação, que não se reduz ao mero letramento, mas que implica um conhecimento das condições históricas e sociais que são responsáveis por sua condição de classe, de raça, de gênero.

Quem quer a manutenção do status quo, quem quer a reprodução e a continuação dessa ordem social injusta e desigual teme e odeia Paulo Freire e tudo aquilo que ele fez e ensinou de maneira brilhante. Sua crítica a educação tecnicista, bancária, aquela que apenas visa formar mão de obra para servir ao crescimento do capital, a educação que hoje se quer militarizada, acrítica, o colocou na alça de mira daqueles que se beneficiam da ignorância, da pobreza e da alienação de boa parte de nossa população.

Num país em que as classes dominantes sempre evitaram estender os benefícios da educação a toda a população, que sempre pensaram a educação como monopólio e privilégio dos seus integrantes, que sempre consideraram o investimento em educação um gasto a ser evitado, como as propostas em andamento no Congresso Nacional, o mais antipovo e antinacional que já foi eleito, de acabar com a obrigatoriedade de um percentual de gastos com a educação, Paulo Freire só pode ser temido e odiado.

Como a CPI da Covid-19 tem mostrado, a burguesia brasileira está interessada apenas em seu bolso, nos seus lucros astronômicos, mesmo que, para isso, tenha que enganar a população e levá-la a morte, para que não pare de trabalhar e fazê-la mais rica. Essa elite que ainda apoia um governo que vive da desinformação, da mentira, da falsificação, adulteração e sigilo de dados, não pode sentir orgulho de um seu conterrâneo, que se dedicou a produzir conhecimento, a produzir consciências, a ensinar verdades incômodas e fornecer dados que deveriam ficar em segredo.

Paulo Freire é mesmo ameaçador e mete medo em quem não quer abandonar seus postos de privilégio, não quer ver mudanças verdadeiras a sua volta, que se incomodam com o negro, o pobre, o indígena, a filha da empregada na Universidade, que temem a concorrência com aqueles que ascendem socialmente através da educação. Sim a educação, essa arma perigosa e letal para a ignorância e a desinformação, para quem quer apenas oferecer rifles e fuzis como solução para os problemas sociais.