Um futebol latino e anti-imperialista

Por José Ricardo Satilio da Silva

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O futebol viveu um momento triste com a morte de Diego Armando Maradona, um dos maiores jogadores de todos os tempos, e com certeza o maior personagem do futebol em toda a história.
Nascido e criado num bairro de um país de capitalismo dependente na América Latina, viveu e sofreu com o imperialismo do Norte inexoravelmente.
Baixo, provavelmente mal nutrido na infância, apesar de forte, venceu todas as adversidades impostas para tornar-se jogador de futebol.
Logo cedo chamou atenção por seu talento inato e ímpar. Como artista da bola foi incontestável. Por isso, poderia falar de sua carreira, mas esta todos conhecem, começou no Argentinos Juniors, depois foi ao Boca, Napoli, Barcelona, Sevilla e retornou ao Boca no fim da carreira. Sem contar sua história com a seleção de seu país, sendo campeão do mundo.
Maradona era genial, em campo poucos foram como ele, porém sua história humana não difere em nada daqueles que nascem na periferia do capital. Nesse sentido, reverenciavam o craque, mas não se prestaram a formar o ser humano.
Ele sofreu toda a exclusão e preconceitos decorrentes de sua origem, desta maneira, como diz Freud, as privações compuseram o inconsciente e desembocaram em vícios e exageros, bem como falta de disciplina na carreira. Será possível falar de disciplina com quem sofreu as agruras de um sistema excludente, autoritário e, portanto, disciplinador por excelência? NÃO!!! Um sonoro não é a resposta, pois dios, como era chamado por seus súditos, já havia enfrentado muito autoritarismo numa sociedade permeada pela injustiça social, necessidades básicas, bem como a ditadura e a repressão. Assim, ele não iria mesmo querer se disciplinar ainda mais.
Ademais, el pibe d’oro queria usufruir de seu talento e estar nos lugares os quais outrora lhe haviam sido negados em razão de sua origem. Queria, pois, exercer o direito meritocrático de seus esforços e talento, porém a sociedade quis lhe impor mais limites.
Por conta de seu sangue quiseram lhe tolher o direito de frequentar lugares requintados, contudo Don Diego não se apequenou e não só os frequentou, como também o fez demonstrando seus posicionamentos políticos, sendo quem era de fato, nunca quis ser “cosplay” de si mesmo, não se fez em dois de modo a separar o ser do mito. Pelo contrário, fundiu-se em um só e como tal posicionou-se sobre tudo. Politicamente sempre se posicionou pelo socialismo, admirador de Che e Fidel, aliás carrega tatuagem do primeiro no braço, posicionava-se religiosamente à esquerda, nunca quis agradar o capital.
Deixava claro seu lado falível e errante, nunca escondeu sua vulnerabilidade diante das drogas e do álcool. Antes que me acusem de estar romantizando um problema de saúde, estou apenas dizendo que ele não tinha vergonha de ser humano, demasiadamente humano, uma vez que nós somos exatamente iguais, cheios de problemas e contradições e não podemos julgá-lo.
Enfim, foi um ser humano na mais estrita acepção da palavra e, por isso, se aproximou tanto de nós, porque, em que pese carregar status de deus, nunca comportou-se assim, sempre se viu falível… mas ainda assim conseguiu superar todas as barreiras, pois venceu as dificuldades, foi jogador e campeão do mundo.
Fez do Napoli um time de primeira ordem no mundo, fez italianos torceram por ele contra seu próprio país, posicionou-se contra a ditadura e fez o povo argentino se sentir vingado da guerra das Malvinas, em 1986, com um gol de mão e outro tento antológico. Fê-los se sentirem representados, pois era ele a personificação do povo de seu país, aliás, de toda a América Latina em si, posto que, como diz Eduardo Galeano, o gigante está, ainda, com as veias abertas tal e qual esteve Maradona, não só com as veias, mas também com o coração.
Foi aberto e sensível ao sofrimento dos mais pobres e desfavorecidos, sempre contrário à ideologia imperialista e burguesa. Um mártir que se vai enquanto matéria, mas permanecerá como legado, como ideia em nosso imaginário.
Descanse em paz, Pibe d’oro.